sábado, 26 de fevereiro de 2011

MAIS GONZAGÃO

BIOGRAFIA DO REI DO BAIÃO!!! (1912 a 1989) LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO



LUIZ GONZAGA, O REI DO BAIÃO * 13/12/1912 + 02/08/1989

Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu no dia 13 de dezembro de 1912, na Fazenda Caiçara, povoado do Araripe à 12km de Exu, filho de Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus (Mãe Santana). Foi batizado na matriz de Exu no dia 05 de janeiro de 1913, cuja celebração batismal, foi realizada pelo Pe. José Fernandes de Medeiros. Desde sua infância o pequeno Gonzaga namorava o fole de oito baixos, instrumento este, executado por “Pai Januário” no qual começou seus primeiros acordes. 

            “Luiz de Januário” como era conhecido na infância, aos 8 anos de idade substitui um sanfoneiro que falhou no trato em festa tradicional no terreiro de Miguelzinho na Fazenda Caiçara, no Araripe, Exu, a pedido de amigos do pai. Naquela noite o pequeno Lula deleitava-se tocando e cantando a noite inteira, e pensava na possibilidade de Dona Santana deixar ele tocar mais vezes. Luiz Gonzaga tocava feliz porque era a primeira noite que tocava com a permissão de “Mãe Santana”. Naquela noite ele recebeu pela primeira vez o cachê de 20$000 rés. Luiz Gonzaga recorda as palavras de Dona Santana que pareciam ter uma esperança de tocar com sua permissão: “Luiz! Isso é gente pra tocar em dança? (…) E se  o sono der nele pru lá?”  Luiz Gonzaga ia crescendo, com sua simpatia e esperteza conseguiu agradar Sinhô Aires, passando a ser o garoto de confiança do Cel. Sua primeira sanfona era de marca “veado” comprada na loja de Seu Adolfo em Ouricori, Pernambuco, com a fiança do Cel. Manuel Aires de Alencar, o Sinhô Aires, custando 120$000 rés.
 
            (Em 1915 nasce no Iguatu, Ceará, Humberto Cavalcanti Teixeira que mais tarde se tornaria parceiro de Luiz Gonzaga.
 
            Em fevereiro de 1921 nasce em Carnaúba, distrito de Pajeú das Flores, José de Sousa Dantas Filho que posteriormente se torna parceiro de Luiz Gonzaga.
            Em 1926 nasce em Gravatá, Pernambuco, Helena das Neves Cavalcanti, futura esposa de Luiz Gonzaga.)
 
            O futuro de Gonzaga estava realmente na sanfona, profissão posteriormente executada em todo Brasil, graças as observações aos dedos ágeis de “Pai Januário”. Antes de Gonzaga completar 16 anos já era conhecido no Araripe e em toda redondeza. Aos 17 anos o filho de Januário apaixona-se por Nazarena, filha de um Alencar. O padrasto da jovem, o senhor Raimundo Deolindo sabendo da inclinação do jovem sanfoneiro pela menina-moça, resolve impedir o namoro. Luiz Gonzaga muito magoado com a situação resolve então encará-lo num sábado na feira do Exu, e disse ‘as do fim!’. Foi por causa de “Nazinha”, como a chamava, que Gonzaga levou uma surra de Dona Santana, por ocasião de seu atrevimento com o senhor Raimundo Deolindo, fugindo de casa em 1930.
 
            Lula resolve então arranjar uma maneira de fugir de casa, foi quando com a ajuda de Zé de Elvira, com quem armou sua fuga, caminhando a pé cerca de 65Km de Exu ao Crato. Chegando no Crato Luiz Gonzaga vende ao lavrador, o senhor Raimundo Lula, sua sanfona por 80:000 rés. Essa decisão na vida de Luiz Gonzaga foi em julho de 1930, quando chega em Fortaleza e alista-se no 23º Batalhão de Caçadores do Exército, servindo no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Pará, Ceará, Piauí, Belo Horizonte, Campo Grande e no Rio de Janeiro. O então soldado de n.º 122, ganha fama no Exército e um apelido: “Bico de Aço”, por ser um excelente corneteiro. Deu baixa no Exército em Minas Gerais, no dia 27 de março de 1939 e viajou para o Rio de Janeiro, para esperar o navio que o levaria a Recife, em seguida a Exu. Resolveu então a convite de um amigo, foi  ganhar a vida tocando no Mangue, com uma sanfona de 80 baixos, uma Horner branquinha, sua primeira sanfona branca comprada em São Paulo. Vale ressaltar que a partir de então, Luiz Gonzaga só usa sanfona branca até o final de sua vida.
 
            Em 1940 Gonzaga conhece o guitarrista português, Xavier Pinheiros, e forma dupla tocando no Mangue e nas casas noturnas(cabarés), do Rio de Janeiro. Ele começou tocando músicas de Manezinho Araújo, Augusto Calheiros e Antenógenes Silva, começou a apresentar-se nas rádios em programas de Calouros. Em 1941 conhece Januário França, no qual transmite a Gonzaga um convite de Genésio Arruda, para acompanhá-lo numa gravação na RCA Victor. Logo em seguida é convidado para gravar um disco solo; grava dois, e nos cinco anos seguintes, Luiz Gonzaga  grava cerca de 30 discos. A partir de 1941, Luiz Gonzaga já tinha o título de MAIOR SANFONEIRO NORDESTINO.
 
            Luiz Gonzaga sofreu muito no Rio de Janeiro, para se firmar artisticamente. Com muita luta e vencendo as ironias de Ari Barroso, em 1942 Luiz Gonzaga começa a fazer sucesso nas emissoras de rádio. Em 1944 ele foi despedido da Rádio Tamoio e, logo em seguida foi contratado por Cr$ 1.600.00 pela Rádio Nacional. Recebe neste ano o apelido de “Lua”, por Paulo Gracindo. Em 1945 Luiz Gonzaga conhece o futuro grande parceiro, o advogado Humberto Cavalcanti Teixeira, nascido em Iguatu, Ceará. No dia 11 de abril de 1945, Luiz Gonzaga gravou seu primeiro disco em voz.
 
            No dia 22 de setembro de 1945 nasceu Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, fruto do amor de Luiz Gonzaga com Odaléia Guedes dos Santos, cantora e bailarina profissional do coro de Ataulfo Alves. Gonzaga conviveu com Odaléia, cerca de 5 anos. Odaléia faleceu de tuberculose em 1952, quando Gonzaguinha tinha 7 anos (vale ressaltar que Gonzaguinha nesta época já morava com os padrinhos Xavier e Dina no Morro de São Carlos).
 
            Em 1946 com Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga compõe e grava a primeira de uma série de 18 parceria:  NO MEU PÉ DE SERRA. O sucesso de Gonzaga com esta música começa a ser enorme e ao mesmo tempo seu nome começa a correr pelo mundo: Europa, EUA, Japão, etc. Neste mesmo ano Luiz Gonzaga resolve então rever a família, e chega em casa pela madrugada. Fica frente a frente com Seu Januário e é interrogado: “Quem é o Sinhô? Luiz Gonzaga seu filho! Isso é hora de você chegar em casa corno sem vergonha!?” Deste encontro, Luiz Gonzaga com Humberto Teixeira, compõem a música RESPEITA JANUÁRIO, em homenagem àquele homem que foi o responsável pela inclinação do “negrinho fiota” para a música. Em 1947 no mês de março, Gonzaga gravou a música ASA BRANCA, que foi inicialmente refutada pelo diretor. A música  ASA BRANCA começou a receber diferentes interpretações e gravações em vários países, como Israel e Itália. Em julho de 1947, na Rádio Nacional, Luiz Gonzaga conheceu Helena das Neves Cavalcanti, sua futura esposa. 

No dia 16 de junho de 1948 Luiz Gonzaga casa-se com a contadora pernambucana Helena das Neves Cavalcanti, natural de Gravatá – PE, (segundo a cronologia de Assis Ângelo, Luiz Gonzaga já era estéril, mas sobre sua esterilidade fica muito oculto por ocasião de Gonzaga não dá ênfase a esta questão). Luiz Gonzaga resolve então fazer um passeio para apresentar a esposa a “Pai Januário”, que não pôde ir ao Rio de Janeiro para o casamento do filho. Neste dia 05 de abril de 1949, Luiz Gonzaga soube a caminho, que no dia anterior tinha começado em Exu um conflito político entre as famílias Alencar, Sampaio e Saraiva. 
            Em 1949 Gonzaga conhece em Recife o médico José Dantas de Sousa Filho. Com o novo parceiro, Gonzaga grava no dia 27 de outubro, o baião VEM MORENA e o FORRÓ DE MANÉ VITO. E o Brasil se deliciava com a boa música do “negrinho fiota”, que saiu lá das bandas do Exu para conquistar o coração dos brasileiros. No dia 01 de novembro de 1949, Seu Januário, Dona Santana, Geni, Muniz, Chiquinha, Socorro e Aloísio seguiram para o Rio de Janeiro, no caminhão comprado por Luiz Gonzaga.
 
            Em 1950 o Lua recebe dos paulistas o título de “REI DO BAIÃO”  que o consagra até nossos dias. Neste mesmo ano “Lua” grava também a toada ASSUM PRETO e os baiões QUI NEM JILÓ e PARAÍBA, Gonzaga neste período está no auge de sua carreira. A música PARAÍBA foi gravada por uma cantora japonesa Keiko Ikuta, e também pela Emilinha Borba. Em 1951 Luiz Gonzaga coroou a cantora Carmélia Alves como a “RAINHA DO BAIÃO” na Rádio Nacional, no programa “NO MUNDO DO BAIÃO” de Humberto Teixeira e Zé Dantas. 

No ano de 1952 Luiz Gonzaga tentou projetar para todo o Brasil, nos festejos juninos  o talento musical da família através das rádios Tupi e Tamoio tendo como atração, OS SETE GONZAGAS: Seu Januário, Luiz Gonzaga, Severino Januário, José Januário (Zé Gonzaga), Chiquinha Gonzaga, Socorro e Aloísio.

Em 1953 grava ABC DO SERTÃO, VOZES DA SECA e a A VIDA DO VIAJANTE. Neste mesmo ano Luiz Gonzaga assume plenamente sua identidade nordestina, começando a usar o gibão de couro. 

No dia 09 de julho de 1954 mataram em Serrita Raimundo Jacó, primo de Luiz Gonzaga. Em 1959 Dona Marieta, mãe de Dona Helena, veio a falecer no Rio de Janeiro. O Rei do Baião não parava, andava por todo o País cantando e decantando o Nordeste. No  amanhecer do dia 11 de junho de 1960, Dona Santana, mãe de Luiz Gonzaga, falecia no Rio de Janeiro, com a doença de chagas. A partir de 1960 Luiz Gonzaga começa a ser esquecido dos meios de comunicação, e faz então um desabafo a Dominguinhos: “EU VOU PARAR DE CANTAR BAIÃO, POIS NINGUÉM MAIS DÁ A MÍNIMA ATENÇÃO PRA MINHA MÚSICA. VOU COMPRAR UM TRANSISCORDE PARA VOCÊ, PRA GENTE FAZER BAILES. EU TOCO CONTRABAIXO, ENQUANTO VOCÊ TOCA ESSE INSTRUMENTO ELETRÔNICO QUE SAIU AGORA”, ( isso foi só um desabafo, pois Gonzaga continuou compondo baião até o final de sua vida). Neste ínterim Luiz Gonzaga estava muito dividido, pois Seu Januário morava sozinho no Araripe, após a morte de Dona Santana. Neste ano o Rei do Baião vinha constantemente ao Araripe para está junto de “Pai Januário”. 

No dia 05 de novembro de 1960 Seu Januário casa-se com Dona Maria Raimunda de Jesus, cuja celebração foi realizada por Padre Mariano. Aos 72 anos o “Vovô do Baião” demonstrava sua fé e o respeito a Igreja, testemunhando seu segundo matrimônio. Em 1961 Gonzaguinha já estava com 16 anos, passou então a morar com o pai. Em 1961, Luiz Gonzaga entra para a maçonaria. Ele compõe com Lourival Passos a música ALVORADA DA PAZ, em homenagem a Jânio Quadros que renunciou, sete meses após assumir a Presidência da República. No dia 12 de março de 1962, nasce um bebê que é adotado por Seu Januário e Dona Maria Raimunda com 03 dias de nascido. Seu Januário fez questão de registrar o menino como filho legítimo, com o nome de João Batista Januário. João Batista continua morando em Exu, honrando o nome da Família Januário.
 
            Em 1962 a parceria da dupla (Gonzaga e Zé Dantas), se desfaz por ocasião do falecimento de Zé Dantas. Em 1963, o REI DO BAIÃO gravou A MORTE DO VAQUEIRO, uma homenagem a seu primo Raimundo Jacó “morto covardemente”. Neste mesmo ano Luiz Gonzaga foi surpreendido com o roubo que fizeram de sua sanfona e conhece o poeta cearense PATATIVA DO ASSARÉ, de quem grava em 1964 a música A TRISTE PARTIDA. Em 1964 Luiz Gonzaga faz uma homenagem a Sanfona Branca roubada, com a música SANFONA DO POVO. Em 1966 Sinval Sá, lança o livro O SANFONEIRO DO RIACHO DA BRÍGIDA, VIDA E ANDANÇAS DE LUIZ GONZAGA – REI DO BAIÃO, pela edições  A FORTALEZA. No ano de 1968, o compositor e versionista Carlos Imperial espalhou no Rio de Janeiro que THE BEATLES acabara de gravar a música ASA BRANCA, mas foi só brincadeira, THE BEATLES não gravaram e o sucesso de Gonzaga começou a voltar na década de 70. Em 1970 Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira entram na Coleção História da MPB, editada pela Abril Cultural. Em 1971 Luiz Gonzaga recebeu o título de “IMORTAL DA MÚSICA BRASILEIRA”, pela TV TUPÍ do Rio de Janeiro. Em 1972 Luiz Gonzaga recebe o título de Cidadão de Caruaru. Foram os papas do tropicalismo Gilberto Gil e Caetano Veloso, que proclamaram solenemente que a moderna canção popular brasileira deitava raízes também na arte antemporal de Luiz Gonzaga. No dia 24 de março de 1972 no Teatro Carioca Tereza Raquel – Rio de Janeiro, Luiz Gonzaga faz uma apresentação com o título: “LUIZ GONZAGA VOLTA PRA CURTIR”, realizando-se assim, sua volta triunfal. Naquela noite Luiz Gonzaga faz uma síntese falando de toda a sua carreira musical. Naquela oportunidade relatou sua estima pelo o estado do Ceará, dizendo: “É por isso que eu costumo dizer que uma banda minha é pernambucana e a outra banda  é cearense!”
 
            No ano de 1973, o Rei do Baião resolve deixar a RCA Victor e passa a gravar na Emi-Odeon. Ainda em 1973 Luiz Gonzaga recebe o título de Cidadão Paulista das mãos do governador de São Paulo. Em 1975, o Rei do Baião conheceu Maria Edelzuíta Rabelo, e correspondia com ela, com o pseudônimo de Marcelo Luiz. Em 1976 Luiz Gonzaga recebe em Fortaleza o título de Cidadão Cearense. Nos dias 13 e 20 de agosto de 1976, a TV GLOBO fez um exibição com o título de “ESPECIAL LUIZ GONZAGA”, tendo a participação de Seu Januário. 

Em 1977 Luiz Gonzaga entrou na Versão Brasileira da Enciclopédia Universal Britânica. Seu Januário faleceu num dos duplex do PARQUE ASA BRANCA em Exu no dia 11 de junho de 1978. Para sua alegria, no ano de 1980 Luiz Gonzaga canta em Fortaleza para o Papa João Paulo II, que lhe agradeceu ao pegar em sua mão dizendo: “OBRIGADO, CANTADOR!”. Luiz Gonzaga fica envaidecido. 

Em 1981 o velho Lua recebe os dois únicos discos de ouro de toda sua carreira ( vale ressaltar que é segundo Assis Ângelo e Gildson Oliveira, segundo Dominique Dreyfus Luiz Gonzaga ganhou mais discos de ouro). Neste mesmo ano, Gonzaga fica feliz quando consegue pacificar Exu. Foi ao encontro do Presidente da República em exercício para lhe pedir intervenção e disse: “Dr. Aureliano, faça um esforço para levar a paz à minha terra!”. Tempos depois feliz com a paz conseguida para sua terra, em entrevista Luiz Gonzaga diz ao jornalista Assis Ângelo: “NINGUÉM DAVA JEITO EM EXU. EU PEGUEI AURELIANO CHAVES NUMA BOA E 15 DIAS DEPOIS ELE MANDOU INTERVIR (NA CIDADE). A INTERVENÇÃO SE ENCAIXOU QUE NEM UMA LUVA, E NUNCA MAIS HOUVE CRIME POLÍTICO LÁ”.
 
            Em 1982 Luiz Gonzaga vai tocar em Paris a convite de Nazaré Pereira. Permaneceu em Paris dez dias, conhecendo vários pontos importantes. Em 1984 Luiz Gonzaga recebeu o PRÉMIO SHELL. Em 1985 Luiz Gonzaga é agraciado com o troféu NIPPER DE OURO, uma homenagem internacional da RCA a um artista dela. Em 1986 Gonzagão vai pela segunda vez à França, participando no dia 06 de julho de um espetáculo  que reúne cerca de 15 mil pessoas no Halle de la Villete. Luiz Gonzaga foi ladeado por Alceu Valença, Fafá de Belém, Morais Moreira e Armandinho, entre outros artistas brasileiros que integraram o “Couleurs Brésil”. Foi neste passeio que a jornalista francesa, DOMINIQUE DREYFUS, fala com Gonzagão na possibilidade de com ele, fazer um livro autobiográfico. Ainda em 1986 José de Jesus Ferreira lança o livro LUIZ GONZAGA O REI DO BAIÃO: SUA VIDA, SEUS AMIGOS, E SUAS CANÇÕES.
            Em junho de 1987, a escritora e jornalista DOMINIQUE DREYFUS chega ao Brasil, passando 02 meses no PARQUE ASA BRANCA em Exu. O Rei do Baião desde pequeno trazia em seus lábios um sorriso sincero e, sempre quando podia, gostava de brincar com os outros, oportunidade que aproveitava para saber como estava o sertão. Luiz Gonzaga conheceu e tocou em todos os municípios brasileiros com mais 400 habitantes, inclusive, tocou em Sobral – CE quatro vezes. Tocou pela última vez nesta cidade, terra de Dom José Tupinambá da Frota, no dia 28 de novembro de 1987. Quando Gonzagão chegava nessas cidades do interior para fazer seus shows, era anunciado por seu motorista com o seguinte anúncio: “Atenção, atenção! Vem visitar vocês Sua Majestade o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, a maior expressão popular brasileira. Hoje aqui em praça pública!” A carroceria de seu caminhão servia de palco em seus shows, por este Brasil afora.
 
            Em 1988 Mundicarmo Maria Rocha Ferreti lança o livro BAIÃO DE DOIS: ZÉ DANTAS E LUIZ GONZAGA, fruto de uma tese de mestrado. Em 1988 Luiz Gonzaga rompe novamente o contrato com a RCA. Em junho do corrente ano, Luiz Gonzaga entra com o pedido de desquite na justiça pernambucana, por já não se entender com Dona Helena. Ainda em 1988 Luiz Gonzaga passa a morar com Maria Edelzuíta Rabelo. A senhora Edelzuíta Rabelo nos fala através do livro Luiz Gonzaga: O Matuto que conquistou o mundo, o seguinte: “Amei Lula sem nada pedir ou esperar, mas sabendo que me bastava estar diante do homem mais extraordinário que já conheci, que me fez renascer e me ensinou grandes lições.”
 
A última entrevista de Luiz Gonzaga concedida a imprensa, foi para o jornalista Gildson Oliveira através de Ivan Ferraz no dia 02 de junho de 1989. Recife foi o local escolhido por Luiz Gonzaga para passar seus últimos momentos de vida. O último show realizado por Luiz Gonzaga foi no dia 06 de junho de 1989 no Teatro Guararapes do Centro de Convenções de Recife, onde recebeu homenagens de vários artistas do país. Antes de finalizar o show, o Rei do Baião proferiu estas palavras: “ Boa Noite minha gente! (…) Minha gente, não preciso dizer que estou enfermo. Venho receber essa Homenagem. Estou feliz, graças a Deus, por ter conseguido chegar aqui. E estou até melhor um pouquinho. Quem sabe, né? 
“Quero ser lembrado como o sanfoneiro que amou e cantou muito seu povo, o sertão; que cantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes, os valentes, os covardes, o amor. Este sanfoneiro viveu feliz por ver o seu nome reconhecido por outros poetas, como Gonzaguinha, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Alceu Valença. Quero ser lembrado como o sanfoneiro que cantou muito o seu povo, que foi honesto, que criou filhos, que amou a vida, deixando um exemplo de trabalho, de paz e amor.
 
Quero ser lembrado como o sanfoneiro que amou e cantou muito seu povo, o sertão; que cantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes, os valentes, os covardes, o amor.
 
            Gostaria que lembrassem que sou filho de Januário e dona Santana. Gostaria que lembrassem muito de mm; que esse sanfoneiro amou muito seu povo, o Sertão. Decantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes. Decantou os valentes, os covardes e também o amor. (…) Muito obrigado.”
 
            Na quarta feira, 21 de junho de 1989, às 10:00h, o velho Lua foi levado às pressas ao Hospital Santa Joana, permanecendo 42 dias internado, onde veio a falecer. Palavras de Luiz Gonzaga na UTI do hospital: “VOCÊS NÃO ME LEVEM A MAL. SINTO MUITAS DORES E GOSTO DE ABOIAR QUANDO DEVERIA GEMER.” Luiz Gonzaga  travava naquele hospital uma luta imensa contra a morte, e o Brasil todo ficava cada vez mais preocupado com o estado de saúde de seu maior defensor. Luiz Gonzaga não resistiu, o Brasil e o mundo ficou enlutado com o seu último suspiro. O Asa Branca da Paz voava para a eternidade deixando um grande exemplo de vida a ser seguido.
 
            O Rei do Baião faleceu no dia 02 de agosto de 1989, às 5:15min da manhã no Hospital Santa Joana, em Recife. Foi na Veneza Brasileira que Luiz Gonzaga dava seu último suspiro.  Seu corpo foi velado na Assembléia Legislativa de Recife nos dias 02 e 03 até às 9:45min da manhã, foi velado também em Juazeiro do Norte. CE, na Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro às 17h, local onde repousa os restos mortais de Pe. Cícero Romão Batista, apesar  de o corpo do Rei ter chegado no aeroporto de Juazeiro Norte às 15:20min do dia 03 de agosto. Palavras de Gonzaguinha ainda  no aeroporto de Juazeiro: “TUDO BEM, VAMOS ENTRAR NA CIDADE. SE O POVO QUER, QUE PODEMOS FAZER?”
 
            O corpo do Rei do Baião chegou a sua terra natal, sua querida Exu no dia 03 a noite. Foi velado  na Igreja Matriz de Exu, durante a noite do dia 03 e todo o dia 04, saindo para o sepultamento no Cemitério São Raimundo às 15:45min. Das centenas de coroas de flores que estavam espalhadas na igreja Bom Jesus dos Aflitos em Exu, oferecidas por fãs de Luiz Gonzaga, estava esta que o repórter Gildson Oliveira transcreveu a seguinte mensagem: “Amado Lula: o silêncio acende a alma… O País canta sua voz… Os pássaros se entristecem com a partida da Asa Branca, mas fica em nossos corações a sua história. E a nossa festa é esta. Quem crê em Cristo, mesmo que esteja morto viverá.”              

O corpo de Luiz Gonzaga foi levado no carro corpo de bombeiros, passando por diversas ruas da cidade rumo ao Cemitério São Raimundo, local onde aconteceram as últimas manifestações de carinho, àquele que só foi alegria. O caixão desceu a sepultura depois que Gonzaguinha, Dominguinhos, Alcimar Monteiro e mais de 20 mil pessoas cantarem a música ASA BRANCA às 16:50min. Luiz Gonzaga foi embalado no seio da terra na sexta feira, no mesmo dia da semana, que ele nasceu. Uma outra coincidência é que ele morreu no amanhecer do dia, assim como ele nasceu no amanhecer do dia 13 de dezembro de 1912. 

            Em 1990 foi lançado pela Editora Martin Claret o livro LUIZ GONZAGA, VOZES DO BRASIL. O filho Gonzaguinha depois de ter passado 15 dias em Exu falando aos amigos sobre a preservação do Parque Asa Branca, veio a falecer subitamente por ocasião de um acidente automobilístico na manhã do dia 29 de abril de 1991, morrendo no mesmo dia. Em 1991 o jornalista Gildson Oliveira lançou o livro LUIZ GONZAGA, O MATUTO QUE CONQUISTOU O MUNDO. Sua esposa, Dona Helena Gonzaga, conhecida por “MADAME BAIÃO”, faleceu na manhã do dia 04 de fevereiro de 1993 na Casa Grande do Parque Asa Branca.
 
            Em 1994 o cordelista Pedro Bandeira lança uma 2ª edição ampliada do livro LUIZ GONZAGA, NA LITERATURA DE CORDEL. Em 1997 a Francesa Dominique Dreyfus lança o livro VIDA DO VIAJANTE: A SAGA DE LUIZ GONZAGA. Ainda em 1997 o professor Uéliton Mendes da Silva lança o livro LUIZ GONZAGA, DISCOGRAFIA DO REI DO BAIÃO. No ano 2000  a  professora Sulamita Vieira, lança o livro SERTÃO EM MOVIMENTO – a dinâmica da produção cultural, fruto de sua tese de doutorado. Ainda no corrente ano a professora Elba Braga Ramalho lançou o livro LUIZ GONZAGA: A Síntese Poética e Musical do Sertão. Fruto de sua  tese de doutorado na University of Liverpool, na Inglaterra. Em dezembro 2001 eu, este pequeno devoto do Rei do Baião, escrevi um opúsculo em homenagem ao Rei do Baião, intitulado: "Luiz Gonzaga, o Asa Branca da Paz". Graças a Deus consegui a apresentar a Chiquinha Gonzaga, irmão do Rei do Baião, e recebi dela a aprovação do trabalho

ENTREVISTA COM GONZAGÃO


O PASQUIM – Luiz Gonzaga, como é que você está se sentindo depois que você voltou à moda ?

GONZAGA – É danado, né ? É melhor vocês falarem de mim porque eu mesmo não sei o que sou, não sei porque falam de mim. Eu não entendo nada, eu vou levando. Pra mim tanto faz. Que é bacana é, mas deixa o povo falar. Vocês me conhecem mais do que eu próprio.

O PASQUIM – Na época que você esteve afastado do centro do Brasil você não sentiu falta ? Você nunca parou de fazer sucesso ? Quando os seus discos pararam de vender aqui no sul você continuou a fazer sucesso no interior e no nordeste, não é ?

GONZAGA – É interessante, eu nunca me senti bem fazendo caitituagem. Chegar com o disco debaixo do braço e pedir pra tocar, eu sempre achei isso horrível. Eu sabia que se eu caitituasse, se pedisse, se implorasse eu conseguiria alguma coisa, mas meu temperamento não permitia. Uma vez eu procurei um disque jóquei meu conhecido, pela afinidade de termos trabalhado na Mayrink Veiga juntos e ele ser madurão como eu, pedi pra ele tocar uma música minha no programa dele e ele me disse: Gonzaga, você tem que compreender que agora é a juventude, você já era, isso já passou, me desculpe a franqueza. Aí eu botei minha viola no saco e fiquei com vergonha de chegar em casa. Fui pra Miguel Pereira, sumi. Então, daí pra cá eu fechei o balaio. Eu vou dizer só as iniciais do nome dele: Isaac Zaltman.

O PASQUIM – Mas você continuava enchendo praça, auditórios, circo, teatro, no interior do Brasil. Não é ? Ou você estava parado ?

GONZAGA - Tem provérbio que diz: Deus escreve certo por linhas tortas. Eu acho que estava fazendo um trabalho sério sem saber que estava fazendo. Eu pegava os patrocinadores, botava nas costas e ia cantar pro povo nas festas. Eu, dificilmente, dava espetáculo no cinema, no teatro, pra cobrar, pro povo me ver cantar. Eu cantava de graça na praça para o povo. Então eu consegui reunir as maiores platéias. Daí os meninos iam me assistir, os futuros gênios como Gil, Caetano e outros daí saiam querendo tocar sanfona.

O PASQUIM – Você gostou da gravação de “Asa Branca” do Caetano ?

GONZAGA – Comentar se eu não gostei ou gostei pra mim não e muito fácil porque eu gosto demais do Caetano, gosto mesmo. Achei o trabalho dele importante, mas eu não posso comentar porque eu gosto demais. Enfim, gostei.

O PASQUIM – Aquela história que acabou virando folclore aqui no Rio e ninguém sabe até hoje se é verdade ou mentira, que os Beatles ia gravar “Asa Branca”, é verdade ?

GONZAGA – Gostem ou não gostem eu vou explicar aqui o que aconteceu porque é oportuno e O PASQUIM é o mais decantado. Aquilo foi uma brincadeira do Carlos Imperial. Ele tinha um programa no Canal 13 em que ele denunciava a semelhança do movimento jovem com a minha música, com o meu xote. Mas ninguém dava bola, ninguém ouvia. Um dia ele me convidou e fui lá pra ele tirar a prova dos nove. Eu cheguei e tal, até não me entusiasmei muito, mas ele realizou o trabalho dele. Mas ele ficou danado e um dia ele me disse: esses caras vão me ouvir. Ele dizia que a jogada dos Beatles tinha uma semelhança muito grande com a nossa música nordestina. Aí um dia ele chegou no programa e disse: “eu falava, ninguém me ouvia, agora está aí Quem vai me contradizer agora ? Os Beatles acabam de gravar “Asa Branca”, do Luiz Gonzaga. Aí todo mundo correu em cima. Os Beatles vão gravar Luiz Gonzaga. Chama pra programa, paga cachê e não sei o quê. Gravei programas, ganhei dinheiro e o Carlos Imperial na maior gozação do mundo. Aí fomos comemorar o negócio em Guarapari.

O PASQUIM – Você não acha que o baião é um som realmente mais internacional de todos os ritmos que nós temos ?

GONZAGA – Eu acho que sim porque ele não dificulta nada. É um ritmo ao alcance de todos. Muitas vezes a gente escuta na rádio um baião super moderno, eu fico doido pra que termine a música, pra dizerem o nome do intérprete, mas não sei porque atualmente não se dá mais o nome de quem está cantando. Isso é uma moda infeliz.

O PASQUIM – Mas do patrocinador eles não esquecem.

GONZAGA – Mas vez por outra eu escuto o nome do intérprete e é sempre um estrangeiro. E é baião mesmo, gostoso, do bom. Se o baião tivesse a promoção que o samba tem, ah meu irmão, o Brasil estava muito bem servido.

O PASQUIM – O gênero baião, a batida existia já no nordeste antes de você e Humberto Teixeira trazerem pro sul ?

GONZAGA – Com esse nome. Eu tirei justamente do bojo da viola onde o cantador faz o tempero para o improviso, para o repente. Ele costuma cantar fazendo o ritmo no bojo da viola e o dedão vai comendo nos bordões. Eu peguei essa batida, criei um jogo melódico e o Humberto Teixeira botou a letra.

O PASQUIM – Qual a diferença entre baião, xaxado e xote ?

GONZAGA – Xaxado é dança de cangaceiros. Os cangaceiros de Lampião por não terem mulher pra dançar, quando eles comemoravam um feito qualquer eles faziam aquela roda e dançavam batendo no rifle e faziam o xaxado. Depois de eu ter criado o xaxado, eu vim saber que não era nada menos do que o corta-jaca. Se eu tivesse criado uma batida e um tipo de música eu tinha me lascado todo. Do corta-jaca só saiu o joguinho da ponta do pé. Eu criei o xaxado que hoje é o que vocês chamam de moderno que tem aí. O xaxado lento deu essa toada moderna que o mundo inteiro está cantando por aí. O Luizinho pode confirmar isso.

O PASQUIM – E o xote ?

GONZAGA – O xote veio do estrangeiro. Então, nós lá no sertão criamos o xote malandro, xote de pé de serra, xote de forró, de dança de matuto que é mais do estilo do escocês. É um xote mesmo nosso porque ele tem uma jogada completamente diferente e temos letras jocosas, como “vem cá cintura fina, cintura de pilão.” Ele conta sempre uma poesia bonita, ou então uma história jocosa, humorística.

GONZAGUINHA – “Ovo de Codorna” é um xote. É uma história jocosa como ocorre em quase todas as letras do xote. São geralmente histórias de auto-gozação, no qual o nordestino é mestre.

O PASQUIM – Corta-jaca é o que ?

GONZAGA – Corta-jaca é esse passo de xaxado. Mas não tinha música, não tinha ritmo. Quando se falava em corta-jaca tanto fazia no choro, no samba. Era só um passo. O cangaceiro fazia isso no xaxado. Eles cantavam “Mulher Rendeira” fazendo esse passo.

O PASQUIM – Quando foi que apareceu pela primeira vez a palavra baião num disco no Brasil ?

GONZAGA – Foi justamente no “Baião número 1”, que eu me considero criador dele, junto com o Humberto Teixeira . Foi em 45, gravado por Quatro Azes e um Coringa, depois Carmem Miranda gravou, Roberto Inglês e outros estrangeiros por aí.

O PASQUIM – Você falou em “Mulher rendeira”... É possível se dizer de onde surgiu “Mulher rendeira”? Foram os cangaceiros que fizeram ou eram os cantadores que cantavam ?

GONZAGA – “Mulher rendeira” é música que saiu do bando de Lampião. Muita gente quis por a mão, mas o Lima Barreto não permitiu. Ele sabia, tinha certeza que era folclore autêntico. Era dança de cangaceiro.

O PASQUIM –Quando foi feito o filme com “Mulher rendeira”, você já estava na praça ?

GONZAGA – Já. Fui eu quem lançou o chapéu de couro no Rio de Janeiro. Naquela época quando aparecia um filme de cangaceiro muita gente via a minha cara no filme. Tinha gente que dizia assim:eu vi, você trabalhou bem. Eu dizia: mas eu não trabalhei. Naquela época já existia baião.

O PASQUIM – Você estava falando de como surgiu “Mulher rendeira”...

GONZAGA – Era a música padrão de Lampião, mas ela veio um pouco diferente. Ela era assim:
“Olá mulher rendeira
Oô mulher rendá
Chorou por mim não fica
Soluçou vai ficar”

O PASQUIM – Como é que você consegue patrocínio e as coisas aconteceram ?

GONZAGA – Devido eu viajar quase sempre com patrocinadores eu me habituei a cantar para público tão numeroso que não me sentia bem em cantar para uma platéia pequena, mesmo pagando bem. Eu me sentia sozinho. Então, era um martírio para mim ter que dar um espetáculo. Até hoje eu me sinto assim. Quando me convidam para trabalhar em uma festa, a primeira coisa que eu digo é: vão cobrar ingresso para me ver ? Se dizem vamos, eu não vou. Eu não gosto. Eu gosto de cantar para o povo livre. Eu acabei achando que fiz bem, que cobrei bem porque todo mundo me viu cantar de graça. Os patrocinadores que eu tive maiores foram: o Moura Brasil, Alpargatas Roda, Martini, Cinzano, Café Caboclo. Isso no sul. Para o norte: Aguardente Chica Boa, Serra Grande, Pitu, Casas Pernambucanas, Lojas Paulistas.

O PASQUIM – Qual foi o maior sucesso seu , o dia mais glorioso seu na praça ?

GONZAGA – Aconteceu comigo em Recife. Devido eu estar habituado a cantar pra milhares de pessoas por mais que eu pedisse pra fazer o espetáculo em praça pública, os diretores da rádio teimaram e me botaram dentro da rádio. Então, eu fui pra rádio, eu cheguei na rua onde estava a rádio e vi um público enorme interrompendo o trânsito. Eu não sabia o que estava acontecendo. Achei que podia ter sido um incêndio, qualquer coisa. Parei o meu carro e vim de pé, pelo meio do povo. Aí eu perguntei a um popular: escuta, o que houve aí ? Ele me disse: O Luiz Gonzaga vai cantar aí hoje e o povo não pode entrar porque não coube. Aí eu tive a curiosidade de observar o tamanho do público, as eu não podia, tinha que trepar em alguma coisa. Era um mar de gente. Aí eu não me contive e tive que cantar na rua.

O PASQUIM – Você é um homem rico ?

GONZAGA – Não. Sou um homem que não botei fora o que ganhei.

O PASQUIM - Quer dizer que o Luizinho está garantido ?

GONZAGA – Luizinho tem uma reguenguela muito boa.

O PASQUIM – Você deu um conselho pro seu filho na televisão, mandando ele não compor nem gravar, pra ele ser economista e juntar dinheiro. Você tem medo do futuro ?

GONZAGA – Eu não dei esse conselho a ele. Eu disse pra ele fazer música como passatempo. Ele se formou em Economia. Se existem milhares de rapazes fazendo o diabo pra se formar em Economia, pra serem financistas, porque Luizinho que se encontra formado vai abandonar uma coisa que todo mundo deseja ?

O PASQUIM – Mas ele é um grande compositor, rapaz.

GONZAGA – Mas ele pode ser um grande compositor e trabalhar também.

O PASQUIM – Mas você só compunha e gravava. Você nunca trabalhou na vida ?

GONZAGA – Eu ? E fazer show, carregar sanfona nas costas ? E pular de bonde andando com sanfona na mão e pegar bonde andando com sanfona na mão, não é trabalho ?

O PASQUIM - Tem uma história de Paulo Mendes Campos, não sei se você conhece. Um cara chegou na casa dele e ele estava na máquina escrevendo. Aí ele virou pro Paulinho e disse assim: se eu soubesse escrever eu ia ser igual a você. Nunca ia trabalhar na minha vida.

GONZAGA – Vocês são formidáveis, logo bagunçam o negócio.

O PASQUIM – Mas você estava falando negócio de dinheiro. O que você tem ? Atenção, declaração de bens.

GONZAGA – Dinheiro eu não tenho. Quem guarda dinheiro eu acho que é um besta. Hoje tem essas financeiras por aí, mas não dá pra entender porque o Luizinho não me explica. Quando eu estava no apogeu, o artista não ganhava tanto dinheiro assim. Agora que eu ouço falar que fulano ganha bilhões, que sicrano já comprou um galaxie. Eu nunca usei um carro do ano. Eu sempre usei uma camionete, uma rural porque sempre eu respeitei o meu público. Eu tenho escola no sertão. Eu mantenho uma escola lá até hoje. Ela havia se acabado no passado porque o governo construiu lá um grupo escolar com o meu nome, então a minha escolinha ficou em segundo plano. Mas quando foram conferir os alunos, não cabia no grupo escolar que o governo construiu. Então a minha escolinha se impôs e continua.

O PASQUIM – Onde é ?

GONZAGA – Em Exu, na minha terra. Numa fazenda onde eu nasci. Exu é o município e a fazenda chama-se Araripe, onde eu nasci e me criei. Hoje é uma simples fazenda, onde mora só gente pobre, trabalhadores rurais, e nós temos cento e tantos meninos estudando. Isso não é de hoje. Já tem mais de dez anos. Em Miguel Pereira eu também tenho uma escolinha. Eu tenho mania de escola porque eu não tive escola, então eu tenho que dar escola, porque eu sei a falta que me faz. Eu gasto, tenho família numerosa. Quando eu vou pro norte eu levo sanfona, duas , três no carro pra distribuir pra aquelas pessoas. Eu dou muita esmola, mas não gosto de meter a mão no bolso e dar pro povo ver. Eu faço minhas caridades escondido pra fugir da exploração.

Tributo a Luiz Gonzaga, o Rei do Baião

Tributo a Luiz Gonzaga, o Rei do Baião

 A maior expressão da música popular brasileira de todos os tempos.




"Eu vou mostrar pra vocês
como se dança o baião
e quem quiser aprender
é favor prestar atenção"
(Baião, Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, 1946)
 
     O Brasil prestou atenção e aprendeu como se dança o Baião. E mais que isso, se encantou com o balanço do gênero musical popular que principiou, ladeando a perfeição, em retratar e historiar, a vida, os costumes, a cultura e o sofrimento do povo nordestino, bem como, em gritar e denunciar as suas angústias em face de um  apartheid político que sempre existiu neste País, em relação ao nordeste.

     E o brado retumbante ecoou exatamente do centro de todos esses fenômenos, emergindo simplesmente por força da natureza e transformando-se em mito, sem precisar agregar, devido à grandeza da sua áurea, adereços externos, para se tornar a maior expressão da música verdadeiramente popular brasileira.

     Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu na Fazenda Caiçara, povoado de Araripe, a cerca de 12 km na cidade de Exu (PE), no dia 13 de Dezembro de 1912, filho de Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus (Mãe Santana). Foi batizado na matriz de Exu, no dia 05 de janeiro de 1913, cuja celebração batismal foi realizada pelo Pe. José Fernandes de Medeiros.

     Luiz, foi nome dado em homenagem a Santa Luzia, a Santa do dia do seu nascimento, dia 13 de Dezembro. Gonzaga, foi sobrenome dado pelo padre que o batizou, segundo ele, para completar o nome do Santo Luiz Gonzaga. Nascimento, foi acrescido em razão de ter o menino nascido na véspera de Natal, quando se comemora o nascimento de Cristo.

    Luiz Gonzaga cresceu ouvindo o fole de oito baixos do pai Januário e em meio à cultura do lugar, representada fortemente pelo balanço promovido por um trio de instrumentos aparentemente simples, mas com recursos para produzir harmonias musicais complexas e ritmos extremamente agradáveis para a dança: a sanfona, o zabumba e o triângulo.

    No nordeste, àquela época, o trabalho na roça, o manejo do gado e a luta pela vida, numa seca implacável, eram ingredientes inesgotáveis para registro, na forma cultural de maior expressão regional: a música.

    O menino Gonzaga, de forma mais intensa que seus outros irmãos: (João, Joca, José, Severino, Aluízio, Socorro, Geni e Chiquinha), se contaminou com o ruído da sanfona e logo passou a demonstrar aptidão para esticar o fole. Curioso nessa história é o registro semelhante com a trajetória do grande maestro Vila Lobos, que chegou a ser amarrado e açoitado pelo pai quando manifestou interesse pela música. Com Luiz Gonzaga algo parecido ocorreu, quando, certo dia, estando o velho Januário trabalhando na roça, Luiz se apoderou da sanfona do pai e começou a extrair algumas modinhas da época. Ao ver aquela cena, D. Santana lhe chamou atenção com um safanão e o advertiu de que não lhe queria tocando sanfona, para que não se perdesse sertão a fora.

    De nada adiantou a repressão dos pais e Luiz Gonzaga logo foi notado pelos sanfoneiros da região e admirado pelo talento que possuía, a ponto de não haver mais oposição dos pais, que passaram a admitir que “filho de peixe peixinho é”.

A andança pelos terreiros de forró resultou em namoro com a filha de um fazendeiro importante da cidade, que ao saber da pretensão do sanfoneiro, mandou lhe o seguinte recado: “Um diabo que não trabalha, não tem roça, não tem nada, só puxando aquele fole, como é que quer se casar? É isso, mora nas terras dos Aires e pensa que é Alencar. Os Aires podendo tirar o couro daquele negro, dão liberdade e agora quer moça branca pra se casar...”.  Luiz não gostou e chegou a comprar uma peixeira para tomar satisfação com o pai da moça. O encontro não aconteceu porque, D. Santana soube da história e deu-lhe uma grande surra.

    Envergonhado com a reprimenda da mãe, Luiz decidiu fugir de Exu. Para tanto, só tinha uma alternativa: sentar Praça no Exército. Assim fez, tornando-se o recruta de nº 122, corneteiro da tropa e apelidado como “Bico de Aço”. E como ele mesmo diz nos relatos entre uma música e outra, nos seus shows: “participei de muitas revoluções mais nunca dei um tiro”.
    Em 1939, Luiz deixa o Exército e volta ao dilema sobre o seu destino, quando aconselhado por um colega de farda, no Rio de Janeiro, onde estava alojado no quartel, de que deveria tentar uma forma de vida tocando na Região do Mangue (a zona de prostituição da época).

    O cantador nordestino, ouvindo o conselho do amigo, refletiu, e como não lhe apareceu outra alternativa,  arregimentou outros músicos e enfrentou a zona do baixo meretrício carioca, onde logo conquistou seus freqüentadores com o fole da sanfona, o balando do baião e o vozeirão na garganta. Não demorou e as portas se abriram para a música nordestina que trazia nas veias. Inserido no meio, conheceu outros artistas da época e logo estava ampliando espaço e conquistando a sociedade carioca com uma nova moda musical.

Certo dia conheceu Ary Barroso, que ao ouvi-lo cantando ritmos estrangeiros, lhe aconselhou: “Rapaz, procure um emprego”. Luiz ficou decepcionado e respondeu: “ Seu Ary, me dá oportunidade pra tocar um chamego? Chamego? O que é isso no rol das coisas mundanas? perguntou Ary Barroso. Luiz respondeu: “Chamego é musga pernambucana”. Ary voltou a indagar: “Como é o nome disso?” e Luiz respondeu: “Vira e Mexe”. Finalizou Ary barroso: “Pois arrivira e mexe esse danado... a gente vê cada uma”. Luiz tocou o Vira e Mexe e conquistou a todos, inclusive o grande Ary Barroso, que deu-lhe nota 5 e o prêmio de 15$000.
    Do mangue Luiz saiu para a Lapa, para a Gafieira Elite, na Praça da República, e em pouco tempo estava se apresentando nas emissoras de rádio mais ouvidas do Rio de Janeiro.

    Em Março de 1941, quando Luiz Gonzaga gravava uma pequena participação instrumental na RCA, encantou o seu diretor e este o convidou para voltar no dia seguinte para gravar suas músicas.

Mas a trajetória ainda estava em construção. O impulso da obra de Luiz Gonzaga acontece com o encontro entre o sanfoneiro cantador e seus parceiros musicais, dentre eles, o Cearense de Iguatu, Humberto Cavalcanti Teixeira, nascido em 1915 e o pernambucano de Carnaúba, distrito de Pajeú das Flores, José de Sousa Dantas Filho.

    As pérolas musicais começam a ser produzidas em seqüência por Luiz Gonzaga e seus mais importantes parceiros. Asa Branca veio em 1947, da lavra de L. Gonzaga e Humberto Teixeira. Seus versos, em linguagem cabocla, vestiram-se de uma universalidade musical inigualável e tornou-se eterna pelo composto poético de rara beleza, retratando uma história de amor em meio ao sofrimento do sertanejo com a falta de chuva. Esta música, noutro país de maior elevação cultural, teria virado filme. Quiçá um dia isto aconteça por aqui?!
“Quando o verde dos teus olhos, se espalhar na plantação, eu te asseguro, não chores não viu, que eu voltarei viu Meu coração”.

     Em 1950, quando ainda não existia coro qualquer voz que se levantasse pela preservação ambiental, surge o grito do Assum Preto, registrando os maus tratos a esta espécie da Fauna brasileira. A canção denuncia que a ave era capturada e tinha os olhos furados para que parecesse mansa e assim fosse vendida por melhor preço. A música, além da beleza poética, trás um apelo político de conscientização ambiental numa feliz inspiração da dupla: Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga:

“Tudo em volta é só beleza, sol de abril e a mata em flor, mas Assum Preto, cego dos olhos, não vendo a luz ai canta de dor... ...mil vez a sina de uma gaiola, desde que o céu ai pudesse olhar...”

O voar da Asa Branca se repete com igual beleza e absoluta independência melódica, anunciando um novo tempo no sertão: a expectativa de chuva, convocando o sertanejo de volta à terra, no início dos anos 50. É mais uma obra da maravilhosa dupla: Luiz Gonzaga e Zédantas, A Volta da Asa Branca.

“Já faz três noites que pro Norte relampeia, a Asa Branca ouvindo o ronco do trovão, já bateu asas e voltou pro meu sertão, ai ai eu vou me embora, vou cuidar da plantação...”

     Nenhum político brasileiro representou tão bem o seu povo, como fez Luiz Gonzaga, que sem mandato político, sem voto e sem representação formal, gritou com a sua poesia e com a sua música em defesa do sertanejo. No ano de 1953, a seca torrou o solo do sertão nordestino, acabou com o pasto, matou o gado e expulsou o sertanejo da sua terra. A fome transformou muitos trabalhadores em pedintes pelas ruas, dependendo da solidariedade dos sulistas e da piedade de todo o Brasil. Luiz Gonzaga e Zédantas constroem mais uma pérola da música sertaneja, nela registrando a seca e a fome no Nordeste, e clamando aos políticos que acudissem o povo sertanejo. Nasce Vozes da Seca. A canção conseguiu mexer com os sentimentos dos brasileiros e, certo dia, o então Deputado Federal Juscelino Kubitscheck de Oliveira, subiu à tribuna da Câmara dos Deputados e clamou: “Sr. Presidente, a música de Luiz Gonzaga e Zédantas vale mais do que cem discursos, tenho dito”. Referia o parlamentar à música Vozes da Seca.

“...mas doutor uma esmola, a um homem que é são,  ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”... ...livre assim nos da esmola, que no fim desta estiagem lhe pagamos até os juros sem gastar nossa coragem...”.

    O Rei do Baião deixou o seu reinado há 18 anos, precisamente às 05:15h., do dia 02/08/89, no Hospital Santa Joana, em Recife, mas ingressou na história da cultura brasileira como expressão máxima da nossa música, através da qual encantou e encanta a todos. Sua história é uma das mais procuradas por pesquisadores do mundo inteiro, sendo inclusive objeto de pesquisa em tese de mestrado e doutorado em várias universidades do Brasil e de outros países. O acervo da sua obra, documentários e causos registrados nas suas andanças por este País encontram-se no Museu de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, na cidade de Exu, Pernambuco, terra onde nasceu e onde buscou descanso nos seus últimos dias de reinado.

    O Brasil ainda não rendeu as homenagens merecidas ao seu inesquecível filho Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião, pelo que produziu como poeta, músico e instrumentista dos melhores que esta terra já deu; pela importância política que exerceu na defesa do sertanejo e até no papel de pacificador de conflitos na região onde viveu; pela riqueza cultural que deixou a este país e por tudo que representou ao longo de 50 anos de viajante tocador pelas estradas deste País, especialmente para o sertanejo, do qual era o seu representante maior. Como disse na sua canção, a sua ausência só nos faz repetir: “Saudade assim faz doer e amarga que nem jiló, mas ninguém pode dizer que me viu triste a chorar. saudade, o meu remédio é cantar...”.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Nordestinos relembram 21 anos sem Luiz Gonzaga

Nordestinos relembram 21 anos sem Luiz Gonzaga

Forrozeiros de todo o Nordeste lembram, hoje (2), a morte do cantor e compositor Luiz Gonzaga do Nascimento, o “Rei do Baião”. Luiz Gonzaga nasceu em 13 de dezembro de 1912 na zona rural de Exu, sertão de Pernambuco. No lugar, seria revivido, anos mais tarde, em “Pé de Serra”, uma de suas primeiras composições.

Relembre os grandes sucessos de Luiz Gonzada no vídeo ao lado, produzido pelo canal Trama.
O “Rei do Baião” aprendeu a tocar acordeão com seu pai, Januário, que trabalhava na roça e, nas horas vagas, tocava o insctrumento, que também consertava. A canção emblemática de sua carreira foi “Asa Branca”, que compôs em 1947, em parceria com o cearense Humberto Teixeira.

Em abril de 1945, Luiz Gonzaga gravou sua primeira música – “Dança Mariquinha” em parceria com Saulo Augusto Silveira Oliveira – , em estúdio, como cantor.

Gonzaga sofria de osteoporose. Morreu no dia 2 de agosto de 1989, vítima de parada cardiorrespiratória no Hospital Santa Joana, na capital pernambucana. Seu corpo foi velado em Juazeiro do Norte (a contragosto de Gonzaguinha, seu filho, que pediu que o corpo fosse levado para sua cidade natal) e, posteriormente, sepultado em Exu.

Patrick/Wikimedia Commons
Estátua em homenagem a Luiz Gonzaga, em Campina Grande. Foto: Patrick/Wikimedia Commons.

Luiz Gonzaga deixou um grande legado para o forA música brasileira, em seus quase 50 anos intensos de carreira artística. Em sua homenagem, o grande compositor ganhou uma estátua de bronze que, junto com Jackson do Pandeiro, fica de frente ao Açude Velho, na cidade de Campina Grande (PB), onde ocorre, todos os anos, o chamado “Maior São João do Mundo”, que embala multidões no ritmo do forró.

MEMÓRIA DO REI

Memória
Luiz Gonzaga - A voz de um povo sem voz

Nenhum artista brasileiro foi tão importante para a cultura das regiões Nordeste e Norte do Brasil, para a divulgação de como vivia, trabalhava e sofria o homem do mato quanto Luiz Gonzaga do Nascimento, filho do mestre sanfoneiro Januário e da roceira Ana Batista de Jesus, que um dia saiu da pequena cidade de Exu, região do Araripe, no sertão pernambucano, para conquistar o Brasil e fazer sua sanfona conhecida nos quatro cantos do país e até no exterior (infelizmente, só no fim da vida conheceu o sucesso lá fora, quando a convite da cantora Nazaré Pereira fez um belíssimo show em Paris, na casa de espetáculos Bobino). A música de Luiz Gonzaga, que foi coroado “Rei do Baião”, tem para o povo do Norte e do Nordeste do Brasil a importância da fé no Padre Cícero Romão. E já subiu ao posto mais alto do pódio onde também merecem medalhas o xaxado de Jackson do Pandeiro, a arte de barro do mestre Vitalino, a poesia de Patativa do Assaré e de Azulão e a sabedoria moleque de Ariano Suassuna.

Luiz Gonzaga nasceu no dia 13 de dezembro de 1912, na roça, e passou a infância ajudando o pai e o irmão mais velho a plantar milho e feijão na fazenda Caiçara. Januário tinha fama de ser o maior sanfoneiro da região, ganhava uns trocados animando festas juninas e outros arrasta-pés, e o filho logo se interessou pelo ofício e pelo instrumento. Ganhou uma sanfoninha, depois comprou outra um pouco melhor quando serviu ao Exército e um dia empunhou um acordeon profissional para encantar os conterrâneos e correr o chapéu na antiga zona do mangue do Rio de Janeiro, cercanias dos bairros do Estácio e Praça Onze, onde o Rei desembarcou com vinte e poucos anos de idade para fazer o seu nome. E que nome. Herança e orgulho do cancioneiro popular do Brasil.

“O candeeiro se apagou/O sanfoneiro cochilou/A sanfona não parou/E o forró continuou”. Continuou por mais de meio século, período em que o Gonzaga gravou mais de cem discos (entre 78 rotações, LPs e CDs) e compôs grande número de sucessos, com mais de uma dezena de parceiros (os mais freqüentes foram Humberto Teixeira, Zé Dantas, João Silva, Hervê Cordovil, Guio de Moraes e Onildo de Almeida).

Gonzagão (apelido que ganhou quando o filho Luiz Gonzaga Júnior começou a fazer sucesso na MPB. Existem controvérsias com relação a essa paternidade, pois alguns livros, depoimentos e documentos dão conta de uma possível esterilidade de Luiz Gonzaga. Segundo esses depoimentos, Gonzaguinha, que fora criado no Morro de São Carlos pelo casal Dina e Xavier, compadres de Luiz, seria na verdade filho de uma namorada do sanfoneiro, que mais tarde veio a ser sua companheira) viveu fases muito distintas durante sua trajetória artística. Conheceu o sucesso de perto e andou colado com ele por muitos anos, ganhou dinheiro suficiente para instalar no Rio de Janeiro seus pais e irmãos, distribuindo casas e sítios para todo mundo, mas também enfrentou fases difíceis na vida, de sucesso quase nenhum, vendas inexpressivas de discos e alguma proximidade com o ostracismo.

Luiz Gonzaga era um artista mambembe, que corria o Brasil inteiro, ano a ano, fazendo shows das grandes capitais aos municípios distantes e minúsculos. Em todas as excursões incluía o Nordeste, pois tinha verdadeira paixão pelo seu povo. Batalhou durante toda a vida para pacificar a cidade de Exu, quando esta vivia uma eterna guerra entre duas famílias rivais (Alencar e Sampaio) que transformaram a região em verdadeiro inferno, com um mata-mata que parecia jamais ter fim. Não sossegou enquanto não conseguiu a paz, além de escolas agrícolas, frentes de trabalho e produção de poços artesianos que em muito minimizaram as agruras das secas.

“Seu Luiz”, como era carinhosamente tratado pelos amigos, vivia repetindo que não poderia prescindir de parceiros, porque não sabia trabalhar sem um poeta do lado. Achava-se um homem rude e sem traquejo com as palavras, o que não era verdade. Luiz Gonzaga tinha, sim, um olhar extremamente poético sobre o mundo e o revelou diversas vezes em entrevistas, participações em programas de rádio e TV e no longo depoimento que deu à pesquisadora francesa Dominique Dreyfus, autora do livro Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. Explicando a ela, por exemplo, a razão dos longos períodos de chuva que costumavam alegrar Exu, o Rei do Baião disse em poucas palavras o que um meteorologista gastaria muito verbo para dizer: “O pé de serra tem sempre essas matas, essas montanhas que atraem as chuvas. Tem um vento que desvia o rumo da chuva. Ela se forma, vem e quando chega no alto da serra, se divide, parte pra tudo que é canto”.

A música brasileira deve muito a Luiz Gonzaga, à sua antena sempre direcionada no rumo da expressão mais pura do povo, à sua voz encorpada e doce, capaz de derreter os mais duros corações, e à sua sanfona de prata, “do povo”, como ele mandou gravar certa vez no instrumento. Para o cantor e compositor baiano Gilberto Gil, que sempre se disse um discípulo e devoto apaixonado do iluminado forrozeiro, o nome de Luiz Gonzaga “se inscreve na galeria dos grandes inventores da música popular brasileira, como aquele que, graças a uma imaginativa e inteligente utilização de células rítmicas extraídas do pipocar dos fogos, de moléculas melódicas tiradas da cantoria lúdica ou religiosa do povo caatingueiro, e, sobretudo da alquímica associação com o talento poético e musical de alguns nativos nordestinos emigrantes como ele, veio a inventar um gênero musical” (em prefácio para o livro de Dominique).

IMAGENS DO GONZAGÃO






domingo, 20 de fevereiro de 2011

GONZAGÃO

VIDA DE LUIZ GONZAGA

Luiz Gonzaga

13/12/1912, Exu (PE)
02/08/1989, Recife (PE)

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Divulgação/BMG

Luiz Gonzaga trouxe os ritmos do sertão nordestino para os meios de comunicação de massa
Luiz Gonzaga do Nascimento era filho de Januário José Santos, lavrador e sanfoneiro, e de Ana Batista de Jesus, agricultora e dona de casa. Desde criança se interessou pela sanfona de oito baixos do pai, a quem ajudava tocando zabumba e cantando em festas religiosas, feiras e forrós.


Saiu de casa em 1930 para servir o exército como voluntário, mas já era conhecido como sanfoneiro. Viajou pelo Brasil como corneteiro e, de vez em quando se apresentava em festas, tocando sanfona. Deu baixa em 1939 e foi morar no Rio de Janeiro, levando sua primeira sanfona nova.


Passou a tocar nos mangues, no cais, em bares, nos cabarés da Lapa, além de se apresentar nas ruas, passando o chapéu para recolher dinheiro. Começou a participar de programas de calouros, inicialmente sem êxitos, até que, no programa de Ary Barroso, na Rádio Nacional, solou uma música sua, "Vira e mexe", e ficou em primeiro lugar. A partir de então, começou a participar de vários programas radiofônicos, inclusive gravando discos, como sanfoneiro, para outros artistas, até ser convidado para gravar como solista, em 1941.


Prosseguiu fazendo programas de rádios, que estavam no auge e tinham artistas contratados. Trabalhou na Rádio Clube do Brasil e na Rádio Tamoio, e prosseguia gravando seus mais de 50 solos de sanfona. Em 1943, já na Rádio Nacional, passou a se vestir como vaqueiro nordestino e começou a parceria com Miguel Lima, que colocou letra em "Vira e mexe", transformando-a em "Chamego", com bastante sucesso. Nessa época, recebeu de Paulo Gracindo o apelido de Lua.


Sua parceria com Miguel Lima decolou e várias músicas fizeram sucesso: "Dança, Mariquinha" e "Cortando Pano", "Penerô Xerém" e "Dezessete e Setecentos", agora gravadas pelo sanfoneiro e, também cantor, Luiz Lua Gonzaga. No mesmo ano, tornou-se parceiro do cearense Humberto Teixeira, com quem sedimentou o ritmo do baião, com músicas que tematizavam a cultura e os costumes nordestinos. Seus sucessos eram quase anuais: "Baião" e "Meu Pé de Serra" (1946), "Asa Branca" (1947), "Juazeiro" e "Mangaratiba" (1948) e "Paraíba" e "Baião de Dois" (1950).


Em 1945, assumiu a paternidade de Gonzaguinha, seu filho com a cantora e dançarina Odaléia. E, em 1948, casou-se com Helena das Neves. Dois anos depois, conheceu Zé Dantas, seu novo parceiro, pois Teixeira cumpria mandato de deputado estadual, afastando-se da música. Já em 1950, fizeram sucesso com "Cintura Fina" e "A Volta da Asa Branca". Nessa década, a música nordestina viveu sua fase áurea e Luiz Gonzaga virou o Rei do Baião.


Outros ritmos, como a bossa-nova, subiram ao palco, e o Rei do Baião voltou a fazer shows pelo interior, sem perder a popularidade. Zé Dantas faleceu em 1962 e o rei fez parcerias com Hervê Cordovil, João Silva e outros. "Triste Partida" (1964), de Patativa do Assaré, foi também um grande sucesso. Suas músicas começaram a ser regravadas pelos jovens cantores: Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Caetano Veloso, que o citavam como uma das influências. Durante os anos 70, fez shows no Teatro Municipal, de São Paulo e no Tereza Raquel, do Rio de Janeiro.


Nos anos 80, sua carreira tomou novo impulso. Gravou com Raimundo Fagner, Dominguinhos, Elba Ramalho, Milton Nascimento etc. Sua dupla com Gonzaguinha deu certo. Fizeram shows por todo o país com "A Vida de Viajante", passando a ser chamado de Gonzagão. Em 84, recebeu o primeiro disco de ouro com "Danado de Bom". Por esta época apresentou-se duas vezes na Europa; e começaram a surgir os livros sobre o homem simples e, por vezes, até ingênuo, que gravou 56 discos e compôs mais de 500 canções.

DOCUMENTÁRIO DO GONZAGÃO


Gonzaga nasceu em 13 de Dezembro de 1912, na Fazenda Caiçara, em Exu, distante 603 Km da Capital Pernambucana. Segundo dos nove filhos da união do casal Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus(Santana), veio ao mundo dividido entre a enxada e a sanfona. Foi observando seu pai animando bailes e consertando velhas sanfonas, que lhe desperta a curiosidade por tal instrumento. Certa vez seu pai encontrava-se na roça e sua mãe na beira do rio, o mesmo pegou uma velha sanfona e começou a tocar. Santana, que não queria que o filho trilhasse o mesmo caminho do pai, dava-lhe puxões de orelha que nada adiantavam. Luiz seguia em frente, acompanhando seu pai em diversos forrós, revezando-se com ele na sanfona e ganhando seus primeiros trocados. Um belo dia Januário foi pego de surpresa quando o Srº Miguelzinho, dono de um forró, pediu para que Gonzaga tocasse, este havia acordado com um outro tocador que não apareceu. A salvação foi JanuárioSantanaconvidar o então menino Gonzaga que já mostrara suas habilidades no mesmo terreiro, sem a anuência de seus pais. Fez muito sucesso. E por aquelas "bandas" era conhecido por Luiz de Januário. Assim o Forró rolou solto ao longo da noite, Gonzaga sentia-se feliz, empolgado, era a primeira vez que tocava com o consentimento da mãe. Com o passar da noite, começou a sentir seus olhos arderem, a cabeça pesar, foi então que pediu para deitar na rede e de tão menino que era, ainda fez xixi enquanto dormia. Daí então passou a acompanhar Januário em festas de mais responsabilidades, revezavam-se entre toques e cochilos. Santana a princípio relutava, mas deixou-se levar pelos dois mil réis que o principiante tocador ganhava em suas "empreitadas". Assim cresceu Gonzaga: ajudando o pai na roça e na sanfona, acompanhando Santana às feiras do Exu, fazendo pequenos serviços para os fazendeiros da região, sendo protegido pelo Cel. Manuel Aires de Alencar, homem bondoso e respeitado até por seus inimigos. Gonzaga era bem tratado pelos Aires de Alencar, tanto que suas primeiras escritas e leituras foram ensinamentos das filhas do Coronel.
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Foi o próprio Coronel Aires quem realizou o grande sonho de Gonzaga: possuir sua primeira sanfona. Tal instrumento custava a importância de cento e vinte mil réis, Gonzaga tinha só a metade, a outra o próprio Coronel adiantou, quantia esta paga mais tarde com o fruto do seu trabalho de sanfoneiro. O primeiro dinheiro ganho com a nova sanfona foi no casamento de Seu Dezinho, na Ipueira, onde ganhou vinte mil réis. Tal convite viera aumentar sua fama, começa ali a ser um respeitado sanfoneiro na região.
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Casamento? Gonzaga só pensava nisso. Comprou até aliança. Queria casar com Nazinha, filha do Seu Raimundo Milfont, um importante da cidade. O pai da moça ao tomar conhecimento das intenções do aprendiz de sanfoneiro, não permitiu o namoro. "Um diabo que não trabalha, não tem roça, não tem nada, só vive puxando fole". Gonzaga não hesitou, indignado, comprou uma peixeira, tomou umas truacas (cachaça), quis brigar, quis matar, mas acabou levando outra surra de Santana. Dessa vez fugiu triste para o mato, mas com uma idéia fixa na cabeça: entrar para o Exército.
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Dizendo que ia a uma festa deixou a terra natal rumo ao Crato, no Ceará, cidade maior e mais próspera, onde vendeu a sanfona e pegou o trem para Fortaleza, alistando-se em seguida. Com a Revolução de 1930, o batalhão de Gonzaga percorreu muitos Estados até chegar à cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Ali, conheceu outro sanfoneiro, Domingos Ambrósio, o grande amigo que lhe ensinara os ritmos mais populares do Sul: valsas, fados, tangos, sambas. Gonzaga tirou de letra. Em 1939 deu baixa no Exército e seguiu para São Paulo e em seguida para o Rio de Janeiro. Passou então, a apresentar-se em bares da zona do meretrício carioca, nos cabarés da Lapa e em programas de calouros, sempre tocando músicas estrangeiras. Em uma dessas apresentações, um grupo de estudantes cearenses chamou-lhe a atenção para o erro que estava cometendo: por que não tocava músicas de sua terra, as que Januário lhe ensinara? Luiz seguiu o conselho e passou a tocar e compor músicas do Sertão Nordestino. Foi no programa do Ary Barroso que Gonzaga recebera calorosos aplausos pela execução do Vira e Mexe, música de sua autoria, proporcionando ao até então desconhecido Gonzaga o seu primeiro contrato pela Rádio Nacional, no Rio de Janeiro.
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Na solidão da cidade grande, distante de sua família e do seu pé-de-serra, Gonzaga não dispunha de ninguém que dele cuidasse. Apesar de estar morando com seu irmão Zé, demonstrava vontade em construir seu próprio lugar, sua própria família. Teve diversos amores o mais conhecido foi com a corista carioca Odaléia Guedes, em meados do ano de 1945, tendo-a conhecida já grávida, assumindo e registrando como seu filho Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior - Gonzaguinha. Apesar de ser bastante exigente Gonzaga finalmente encontra o que procurava, Em 1948 conhece a pernambucana Helena Cavalcanti, tornando-a sua secretária particular e mais tarde sua companheira. Tal união estendeu-se até perto de sua morte. Não tiveram filhos, pois era estéril.
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O apogeu do Baião perpassou a segunda metade da década de 40 até a primeira metade da década de 50, época na qual Gonzaga consolida-se como um dos artistas mais populares em todo território nacional. Tal sucesso é devido principalmente à genialidade musical da "Asa Branca" (composição dele com Humberto Teixeira), um hino que narra toda trajetória do sofrido imigrante nordestino.
Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação.
Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira
A partir de 1953 Gonzaga passou a apresentar-se trajado com roupas típicas do Sertão Nordestino: chapéu (inspirado no famoso cangaceiro Virgulino Ferreira, O Lampião, de quem era admirador), gibão e outras peças características da indumentária do vaqueiro nordestino. Alia-se a esta imagem a presença de sua inconfundível Sanfona Branca - A Sanfona do Povo. Com o surgimento de novos padrões na música popular brasileira, o apogeu do Baião começa a apresentar sinais de declínio, apesar disso, Gonzaga não cai no esquecimento, pelo menos para o público do interior, principalmente no Nordeste. Todavia, foi o próprio movimento musical juvenil da Década de 60 - notadamente Gilberto Gil e Caetano Veloso, este último e depois Gonzaguinha regravando ambos o sucesso Asa Branca, responsáveis pelo ressurgimento do nome Gonzaga no cenário musical do país. Em março de 1972 em show realizado no Teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro, marca o reaparecimento de Gonzaga para as platéias urbanas. Nessa época retorna às paradas de sucesso como "Ovo de Codorna" cuja autoria é do nordestino Severino Ramos.
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Após longo período de atividade profissional, cerca de 35 anos, é chegada a hora de retornar a sua terra natal. Em Exu dá início à construção do tão sonhado Museu do Gonzagão, localizado às margens da BR-122, dentro do Parque Aza Branca (escrevia desta forma por pura supertição, embora soubesse do erro ortográfico). Lá se encontra o maior acervo de peças pertencentes ao Rei do Baião: suas principais sanfonas, inclusive a que tocou para o Papa em Fortaleza; suas vestimentas; seus discos de ouro; troféus; diplomas; títulos; fotos e presentes a ele ofertados ao longo de sua brilhante carreira. Além do Museu, o Parque abriga também o Mausoléu da família, lanchonete, grande palco de shows, várias suítes para acolhimento de visitantes, a casa de Vovô Januário, lojinha de souvenir e a casa grande de onde Gonzaga observava a sua pequena Exu.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

BAIÃO

Baião

A dança que Luiz Gonzaga ensinou
"Eu vou mostrar pra vocês
como se dança o baião
e quem quiser aprender
é favor prestar atenção"
(Baião, Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, 1946)

Como outros gêneros, o baião designou inicialmente um tipo de reunião festeira dominada pela dança. O folclorista Câmara Cascudo o associa aos termos "baiano" e "rojão". Este último seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos desafios da cantoria. Quem imprimiu o formato urbano (e portanto pop) ao gênero foi o sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989). Imigrante pobre no começo da década de 40, Gonzaga passava o pires nos bordéis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona valsas, sambas e serestas de sucesso na época. Estimulado por frequentadores conterrâneos anexou a seu repertório "coisas do sertão", entre elas o baião.

Com o primeiro parceiro o fluminense Miguel Lima compunha mais mazurcas, calangos e ritmos adjacentes. Associado ao compositor e advogado cearense Humberto Cavalcanti Teixeira (1916-1979) obteve o respaldo poético telúrico que lhe faltava. Mas Teixeira admitia que a idéia tinha sido do parceiro. Em depoimento ao pesquisador Miguel Angelo de Azevedo, o Nirez, reproduzido no livro Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga, de Dominique Dreyfus (Editora 34, 1996), ele garantiu que Gonzaga planejou meticulosamente o lançamento nacional do baião, junto com outros gêneros nordestinos.

O ritmo binário do baião, vestido por melodias dolentes muitas delas em modo menor, foi devidamente estilizado, amaciado para o paladar urbano pelo sanfoneiro. Antes dele, o cearense Lauro Maia (Teles, 1912-1950), autor entre outros do sucesso Trem de Ferro, gravado por João Gilberto, fez a primeira tentativa de emplacar um gênero nacional a partir do nordeste, através do balanceio, gravado com algum êxito pela dupla Joel e Gaúcho (Marcha do Balanceio) e dos Vocalistas Tropicais (Tão Fácil, Tão Bom).
 O sucesso de Gonzaga na empreitada foi tão grande que ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 até meados dos 50. Antes o mercado musical era lastreado no samba, marchinha, choro e outros produtos do centro cultural do país, o Rio. A bordo de sucessos monumentais como o supracitado Baião e mais Asa Branca, Juazeiro, Paraíba, Qui nem Giló, Respeita Januário, Sabiá, Vem Morena, Baião de Dois, Imbalança, Noites brasileiras e inúmeros outros (além de xotes, xamegos, toadas, cocos, xaxados e até maracatu), Gonzaga colocou o nordeste no mapa (inclusive das vendas) da MPB. No auge, as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era contratado, trabalhavam quase exclusivamente para seus discos. Além de Teixeira, Gonzaga teve outro parceiro fixo, o médico pernambucano José de Souza Dantas Filho, o Zé Dantas (1921-1962), responsável por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca, A Dança da Moda (referência ao sucesso do baião), Riacho do Navio, Vozes da Seca, Cintura Fina, Algodão e alguns dos relacionados acima.

Reinado

De todo canto surgiam novos autores como o maranhense João do Vale, o pernambucano Luís Vieira, parceiros e fornecedores de repertório como o paulista Hervê Cordovil (Baião da Garôa), o cearense Guio de Moraes (No Ceará Não Tem Disso Não), Onildo de Almeida, João Silva, José Marcolino e a dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas, autora de Boiadeiro prefixo de seu programa na rádio Nacional. Além de inúmeros concorrentes do rei Gonzaga, o baião ostentava ainda uma rainha e uma princesa, respectivamente, Carmélia Alves e Claudette Soares. Outra a quem o soberano apadrinhou pessoalmente foi a pernambucana Inês Caetano de Oliveira, artista que estourou no nordeste com o nome de Marinês e sua Gente.

A síntese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o ritmo — sanfona (ou acordeon), zabumba (fazendo o baixo) e triângulo — virou epidemia. O pesado acordeon, difundido em academias como a do folclórico Mascarenhas (que chegava a reunir mil alunos nos finais de curso, no Maracanãzinho) também se espalhou. Vários ases da moderna MPB como João Donato, Eumir Deodato (que faria a bossa Baiãozinho), Edu Lobo e Milton Nascimento começaram na música digitando os foles do instrumento. Outros modernistas como o minimalista João Gilberto ("Bimbom/ é só isso o meu baião") e Lúcio Alves (Baião de Copacabana) repaginaram o estilo. Até Tom Jobim em sua fase pós-bossa passeou pelo gênero incorporando o refrão Do Pilar (de Jararaca) em O Boto, além do extemporâneo Pato Preto, gravado em seu ultimo disco, em 1994.

A partir do final dos 50, o baião entrou em declínio, mas Gonzaga foi reabilitado por uma geração nordestina que o ouvia no rádio — do paraibano Geraldo Vandré (que regravou Asa Branca como canção de protesto, em 1965) aos baianos tropicalistas Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, ávidos releitores de sua obra. Estudioso da música nordestina, o paulista Sérgio Ricardo utilizou o ritmo nas trilhas dos filmes "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (do cineasta Glauber Rocha) e em seu "A Noite do Espantalho", onde atuavam os pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo. A estes se juntaria, na mesma década de 70, uma leva plugada de nordestinos reverentes ao mestre, de Fagner ao roqueiro Raul Seixas.

Influência na América

O filho adotivo do rei do baião, Luiz Gonzaga Jr. seguiu outros rumos musicais embora tenha composto baiões de estirpe (Erva Rasteira), gravados pelo pai. Gonzagão (como passou a ser conhecido após o sucesso do filho) nomeou herdeiro artístico o sanfoneiro conterrâneo (de Garanhuns) José Domingos de Morais, o Dominguinhos. Mas este não se limitou ao formato fixo do baião, que gerou um subproduto de efêmera duração, a toada moderna do final dos anos 60 praticada por autores como Antonio Adolfo & Tibério Gaspar (Sá Marina, Juliana, Teletema), Danilo Caymmi, Paulinho Tapajós e Edmundo Souto (Andança). De passagem pelo Brasil como pianista da cantora Marlene Dietrich nos 50, o compositor americano Burt Bacharach também pagou tributo ao ritmo em hits como Walk on By e Do You Know The Way to San Jose.

O baião foi e é matriz de intervenções modernizadoras de Hermeto Pascoal (desde o Quarteto Novo), Edu Lobo, Egberto Gismonti, Guinga e inúmeros outros instrumentistas. Mais longinquo e miscigenado o gen do baião também contamina uma corrente nordestina que emergiu no Mpop do B dos 90, o paraibano Chico Cesar, o pernambucano Lenine e os maranhenses Zeca Baleiro e Rita Ribeiro. A perenidade do gênero foi definida por Gilberto Gil em De Onde Vem o Baião, de 1976: "debaixo do barro do chão/ da pista onde se dança/ suspira uma sustança sustentada/ por um sopro divino/ que sobe pelos pés da gente/ e de repente se lança/ pela sanfona afora".