domingo, 24 de abril de 2011

Há 20 anos MPB carece do talento de Gonzaguinha


Músico é filho do também cantor e compositor Luiz Gonzaga – o célebre “Rei do Baião”, cujo centenário de nascimento será comemorado em 2012

Gonzaguinha
Gonzaguinha, filho do também cantor e compositor Luiz Gonzaga


No próximo dia 29 completam-se duas décadas da morte de um dos compositores mais politizados da MPB: Luiz Gonzaga do Nascimento Junior, o Gonzaguinha, teria hoje 66 anos. O músico, que se casou com uma mineira e passou os últimos anos morando na Pampulha, em Belo Horizonte, morreu em acidente de carro a caminho de Foz do Iguaçu, no Paraná.

“Uma médica ligou aqui para casa, pela manhã, para avisar sobre a morte dele, e daí aconteceu a loucura da minha vida. Meu mundo caiu, literalmente” – registra Louise Margaret Martins, a “Lelete”, lembrando-se do dia fatídico. “Um dia antes, ele ligou para perguntar o que eu queria de Foz. Eu disse que queria perfume, pistache, fiz uma lista”. A viúva acrescenta que o acidente foi provocado por um caminhão que vinha na contramão e atingiu o veículo dirigido pelo artista. No carro estavam mais duas pessoas, que trabalhavam com Gonzaguinha, e sobreviveram.

“Ele faz muita falta, não só para nossa família, mas para o mundo inteiro. Gonzaguinha batalhava pelo social e tinha uma força política grande”, lamenta Lelete, mãe da filha do músico, Mariana, que na época do acidente tinha oito anos e hoje é farmacêutica.

Gonzaguinha, filho do também cantor e compositor Luiz Gonzaga – o célebre “Rei do Baião”, cujo centenário de nascimento será comemorado em 2012 – e da cantora Odalea Guedes dos Santos, ambos também falecidos, não tem substituto quando são considerados seu estilo musical e a explícita força política.

Após a morte da mãe, também aos 46 anos, vítima de tuberculose, Gonzaguinha, então com dois anos, passou a ser criado pelos padrinhos Xavier, o “Baiano do Violão”, e Dina – a mesma Dina que Gonzaguinha canta na composição “Com a Perna no Mundo” (“Ô Dina/Teu menino desceu o São Carlos/Pegou um sonho e partiu”).

Lelete ainda vive na casa em que passou os últimos anos com o marido. O imóvel é verdadeiro templo com singelas marcas deixadas pelo músico em vários cômodos.

O principal espaço é o escritório do compositor – parece intocado há 20 anos. Estão lá os discos de vinil perfeitamente organizados, lembranças de viagens, livros como “O Capital”, de Karl Marx – a semente “comuna” que marca a trajetória do músico.

Na estante, emoldurado, mas amarelado pelo tempo, descansa o diploma de economista – profissão que ele nunca exerceu – pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro.

Quem se lembra bem da vida de Gonzaguinha em Belo Horizonte é o compositor e poeta Fernando Brant. “Saíamos para passear com os meninos em parques. Toda quarta-feira, a gente jogava bola na Cachoeirinha”, recorda-se Brant, que o conheceu o compositor na época dos festivais de música no Rio de Janeiro, no final dos anos 1960, quando ficaram amigos.

“Em suas primeiras vindas para Belo Horizonte ele ficava aqui em casa, mas depois alugou um imóvel no Sion; em seguida, foi para a Pampulha”, diz Brant.

O compositor mineiro não chegou a ser parceiro musical de Gonzaguinha. Ele acredita que a inexistência de uma canção feita a quatro mãos se deva a algum tipo de “sutileza” de Gonzaguinha, que talvez não quisesse que Brant ficasse em situação complicada com seus parceiros tradicionais. “Ele gravou apenas a minha parte na música “O Que Foi Feito de Vera” (“O que foi feito amigo/ De tudo que a gente sonhou/ O que foi feito da vida/ O que foi feito do amor”), o que considera uma homenagem. A composição é fruto da parceria de Brant com Milton Nascimento e Márcio Borges.

Vinte anos depois, Fernando Brant guarda essas e outras boas lembranças do velho amigo, mas também de outros tantos que também eram ídolos brasileiros, caso de Elis Regina. “Gonzaguinha e Elis são minhas duas grandes perdas da MPB”, registra ele, que tem como solução, para amenizar a saudade e continuar vivendo, estar sempre “arrumando outros grandes amigos”.

Gonzagão deixa sua marca na casa do filho

A viúva de Gonzaguinha
A viúva de Gonzaguinha lembrando-se do sogro: "Esse daqui ele mandou fazer para mim" (Foto: Maurício de Souza)

No escritório que foi do compositor Gonzaguinha, na casa em que morou na Pampulha, o que não falta são lembranças do pai, Luiz Gonzaga. Fotos junto do pai e chapéus de vaqueiro em couro, como usava o “Rei do Baião”, também estão expostos. Em 2012 – centenário de nascimento de Gonzagão – está previsto o lançamento do filme “Gonzagas”, retratando a relação entre os dois nomes da música nacional. A direção é de Breno Silveira (o mesmo do filme “Dois Filhos de Francisco”).

“Esse daqui ele mandou fazer para mim”. Experimentando um dos chapéus tipicamente nordestinos, a viúva de Gonzaguinha, Louise Margaret Martins, a Lelete, exibe o exemplar em couro claro, com detalhes bem femininos em dourado e uma dedicatória para a nora.

“Meu sogro vinha muito aqui em casa. Ele veio para fazer uma cirurgia de catarata, para tratar de osteoporose” em 1987 e 1988. “Ele era um homem que vivia na rua. Eu tinha que fazer com que ele ficasse em casa para se tratar. Eu ficava louca”, conta rindo.

Lelete diz ainda que depois da cirurgia, Luiz Gonzaga, com quase 80 anos, “virou criança” de novo. “Ele virou para mim e disse: minha nora, você é muito mais bonita do que imaginava. Ele já estava um tempão sem enxergar”. E virou-se para o filho, emendando: “Meu filho, você, que é o poeta da casa, se tiver um problema desses, faça essa cirurgia. É um turbilhão de cores”, disse Gonzagão, que morreu um ano depois.

No mesmo escritório, uma das lembranças que não agradavam muito ao velho músico é a foto da mãe de Gonzaguinha, Odalea Guedes. “Eita mulher independente!”, lembra Lelete, sobre um dos comentários machistas do sogro. “Acredito que ele guardou alguma mágoa com a morte dela. Ele era um nordestino tradicional e ela uma mulher que morava no Rio e que trabalhava”.

Filha guarda as lições com carinho

Mariana Gonzaga
 Mariana Gonzaga: conversas longas guardadas no coração (Foto: Maurício de Souza)

Mariana Gonzaga tinha menos de dez anos quando o avô e o pai morreram, mas se lembra bem da convivência com ambos. “Meu pai não brigava, ele conversava”.

Ela guarda com carinho as lições vindas de conversas longas que tinha com ele, explicando o que convém e o que não convém nesta na vida.

Mariana é tema de uma das músicas de Luiz Gonzaga. “Eu vou pra ver Mariana,/ Mariana sorrir e dançar/ Mariana brincando na vida,/ tô correndo pra lá/ E vou levando a sanfona, mode a gente cantar/Ei, garota, pirritota,/ Mariana, Mariana/ Chegue aqui minha bichinha, chegue mais amor/ Dê um cheiro bem cheiroso aqui no seu vovô”.

“Pirritota” é um tratamento carinhoso usado no nordeste para chamar menina. Mariana registra que um dos entretenimentos do avô, quando estava em casa para os tratamentos em Belo Horizonte, era tocar sanfona para ela “durante horas” – “Ele chegava cantando essa música já na porta daqui de casa”, diz Mariana.

Além de Mariana, Gonzaguinha teve mais quatro filhos: Daniel Gonzaga, que é cantor, Fernanda e uma filha com a atriz Sandra Pêra, a também atriz Amora Pêra.

Lelete diz que todos os filhos sempre se reúnem em Belo Horizonte, com exceção de Sandro, que morreu em 2010. Por meio de sua produção, Daniel Gonzaga informou que está negociando, para esse ano, um show em Belo Horizonte, em homenagem ao pai Gonzaguinha.

No dia 5 de maio, no Teatro Gonzaguinha, Rio de Janeiro, e no dia 28 do mesmo mês, no Teatro do Sesc de Brasilia, Daniel Gonzaga fará dois shows para lembrar os 20 anos sem o pai.

Clara Becker celebra os Gonzaga

 No clima de reviver a memória de Gonzaguinha e Gonzagão, a cantora Clara Becker, em seu segundo álbum, “Dois Maior de Grande” (Vila Pirutinga Cultura), homenageia filho e pai. Clara montou o show de mesmo nome, com 19 canções, e gravou DVD já nas lojas. A cantora diz que os dois artistas têm em comum a “brasilidade”.

“Gonzagão é um dos inventores da música popular brasileira. Quanto a Gonzaguinha, Clara o aponta como um grande compositor, mas com “levada maior para o Sudeste do Brasil”.

O resultado do DVD é a performance na qual é possível acompanhar o diálogo entre as obras dos dois artistas. “Não conheci os dois músicos, apenas por meio da música. Aliás, cheguei até a música do pai pela obra do filho”.

Clara Becker lembra-se bem de quando Gonzaguinha “resgatou” o “Rei do Baião” de uma espécie de “exílio musical”. Para celebrar esse encontro musical, a dupla gravou “A Vida do Viajante” em 1979.

Quando surgiu a oportunidade de gravar o DVD, a cantora escolheu o Teatro Coliseu, em Santos. O teatro, conta Clara, tem uma sala em homenagem à mãe, a atriz Cassilda Becker. “São as coincidências do destino”.

O DVD tem três extras. No primeiro, Clara fala de sua trajetória e da importância do Teatro. O segundo, “Questão de Fé”, é um videoclipe gravado no apartamento onde viveu com a mãe Cacilda Becker.

Do terceiro, “Lindo Lago do Amor”, participa Daniel Gonzaga, da terceira geração de músicos dos Gonzaga. “Fiquei muito próxima do Daniel. Quando fiquei sabendo que a filha dele se chamaria Clara, não acreditei, o nome havia sido escolhido antes de nos conhecermos. Foi espécie de aval do destino para que essa etapa do trabalho saísse do papel”.

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