sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

BAIÃO

Baião

A dança que Luiz Gonzaga ensinou
"Eu vou mostrar pra vocês
como se dança o baião
e quem quiser aprender
é favor prestar atenção"
(Baião, Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, 1946)

Como outros gêneros, o baião designou inicialmente um tipo de reunião festeira dominada pela dança. O folclorista Câmara Cascudo o associa aos termos "baiano" e "rojão". Este último seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos desafios da cantoria. Quem imprimiu o formato urbano (e portanto pop) ao gênero foi o sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989). Imigrante pobre no começo da década de 40, Gonzaga passava o pires nos bordéis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona valsas, sambas e serestas de sucesso na época. Estimulado por frequentadores conterrâneos anexou a seu repertório "coisas do sertão", entre elas o baião.

Com o primeiro parceiro o fluminense Miguel Lima compunha mais mazurcas, calangos e ritmos adjacentes. Associado ao compositor e advogado cearense Humberto Cavalcanti Teixeira (1916-1979) obteve o respaldo poético telúrico que lhe faltava. Mas Teixeira admitia que a idéia tinha sido do parceiro. Em depoimento ao pesquisador Miguel Angelo de Azevedo, o Nirez, reproduzido no livro Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga, de Dominique Dreyfus (Editora 34, 1996), ele garantiu que Gonzaga planejou meticulosamente o lançamento nacional do baião, junto com outros gêneros nordestinos.

O ritmo binário do baião, vestido por melodias dolentes muitas delas em modo menor, foi devidamente estilizado, amaciado para o paladar urbano pelo sanfoneiro. Antes dele, o cearense Lauro Maia (Teles, 1912-1950), autor entre outros do sucesso Trem de Ferro, gravado por João Gilberto, fez a primeira tentativa de emplacar um gênero nacional a partir do nordeste, através do balanceio, gravado com algum êxito pela dupla Joel e Gaúcho (Marcha do Balanceio) e dos Vocalistas Tropicais (Tão Fácil, Tão Bom).
 O sucesso de Gonzaga na empreitada foi tão grande que ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 até meados dos 50. Antes o mercado musical era lastreado no samba, marchinha, choro e outros produtos do centro cultural do país, o Rio. A bordo de sucessos monumentais como o supracitado Baião e mais Asa Branca, Juazeiro, Paraíba, Qui nem Giló, Respeita Januário, Sabiá, Vem Morena, Baião de Dois, Imbalança, Noites brasileiras e inúmeros outros (além de xotes, xamegos, toadas, cocos, xaxados e até maracatu), Gonzaga colocou o nordeste no mapa (inclusive das vendas) da MPB. No auge, as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era contratado, trabalhavam quase exclusivamente para seus discos. Além de Teixeira, Gonzaga teve outro parceiro fixo, o médico pernambucano José de Souza Dantas Filho, o Zé Dantas (1921-1962), responsável por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca, A Dança da Moda (referência ao sucesso do baião), Riacho do Navio, Vozes da Seca, Cintura Fina, Algodão e alguns dos relacionados acima.

Reinado

De todo canto surgiam novos autores como o maranhense João do Vale, o pernambucano Luís Vieira, parceiros e fornecedores de repertório como o paulista Hervê Cordovil (Baião da Garôa), o cearense Guio de Moraes (No Ceará Não Tem Disso Não), Onildo de Almeida, João Silva, José Marcolino e a dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas, autora de Boiadeiro prefixo de seu programa na rádio Nacional. Além de inúmeros concorrentes do rei Gonzaga, o baião ostentava ainda uma rainha e uma princesa, respectivamente, Carmélia Alves e Claudette Soares. Outra a quem o soberano apadrinhou pessoalmente foi a pernambucana Inês Caetano de Oliveira, artista que estourou no nordeste com o nome de Marinês e sua Gente.

A síntese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o ritmo — sanfona (ou acordeon), zabumba (fazendo o baixo) e triângulo — virou epidemia. O pesado acordeon, difundido em academias como a do folclórico Mascarenhas (que chegava a reunir mil alunos nos finais de curso, no Maracanãzinho) também se espalhou. Vários ases da moderna MPB como João Donato, Eumir Deodato (que faria a bossa Baiãozinho), Edu Lobo e Milton Nascimento começaram na música digitando os foles do instrumento. Outros modernistas como o minimalista João Gilberto ("Bimbom/ é só isso o meu baião") e Lúcio Alves (Baião de Copacabana) repaginaram o estilo. Até Tom Jobim em sua fase pós-bossa passeou pelo gênero incorporando o refrão Do Pilar (de Jararaca) em O Boto, além do extemporâneo Pato Preto, gravado em seu ultimo disco, em 1994.

A partir do final dos 50, o baião entrou em declínio, mas Gonzaga foi reabilitado por uma geração nordestina que o ouvia no rádio — do paraibano Geraldo Vandré (que regravou Asa Branca como canção de protesto, em 1965) aos baianos tropicalistas Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, ávidos releitores de sua obra. Estudioso da música nordestina, o paulista Sérgio Ricardo utilizou o ritmo nas trilhas dos filmes "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (do cineasta Glauber Rocha) e em seu "A Noite do Espantalho", onde atuavam os pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo. A estes se juntaria, na mesma década de 70, uma leva plugada de nordestinos reverentes ao mestre, de Fagner ao roqueiro Raul Seixas.

Influência na América

O filho adotivo do rei do baião, Luiz Gonzaga Jr. seguiu outros rumos musicais embora tenha composto baiões de estirpe (Erva Rasteira), gravados pelo pai. Gonzagão (como passou a ser conhecido após o sucesso do filho) nomeou herdeiro artístico o sanfoneiro conterrâneo (de Garanhuns) José Domingos de Morais, o Dominguinhos. Mas este não se limitou ao formato fixo do baião, que gerou um subproduto de efêmera duração, a toada moderna do final dos anos 60 praticada por autores como Antonio Adolfo & Tibério Gaspar (Sá Marina, Juliana, Teletema), Danilo Caymmi, Paulinho Tapajós e Edmundo Souto (Andança). De passagem pelo Brasil como pianista da cantora Marlene Dietrich nos 50, o compositor americano Burt Bacharach também pagou tributo ao ritmo em hits como Walk on By e Do You Know The Way to San Jose.

O baião foi e é matriz de intervenções modernizadoras de Hermeto Pascoal (desde o Quarteto Novo), Edu Lobo, Egberto Gismonti, Guinga e inúmeros outros instrumentistas. Mais longinquo e miscigenado o gen do baião também contamina uma corrente nordestina que emergiu no Mpop do B dos 90, o paraibano Chico Cesar, o pernambucano Lenine e os maranhenses Zeca Baleiro e Rita Ribeiro. A perenidade do gênero foi definida por Gilberto Gil em De Onde Vem o Baião, de 1976: "debaixo do barro do chão/ da pista onde se dança/ suspira uma sustança sustentada/ por um sopro divino/ que sobe pelos pés da gente/ e de repente se lança/ pela sanfona afora".

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