quarta-feira, 13 de abril de 2011

LUIZ GONZAGA, A MORTE DO VAQUEIRO

missa

Quem lê sobre a vida de Luiz Gonzaga sabe que um dos fatos que mais o marcaram foi a morte do vaqueiro Raimundo Jacó, seu primo, em julho de 1954, assassinado enquanto descansava sob a sombra de uma árvore no sertão pernambucano. E que a morte daquele vaqueiro foi a motivação para que se desse início a um dos mais significativos eventos do calendário turístico de Pernambuco: A Missa do Vaqueiro, idealizada pelo falecido padre João Câncio e realizada anualmente em Serrita-PE.

Muitos sabem também que existe uma música chamada “A Morte do Vaqueiro”, um baião-toada, incluída num LP de Luiz Gonzaga chamado “Pisa no Pilão (Festa do Milho)”, de 1963, um dos discos mais brilhantes da sua carreira.

Poucos sabem, no entanto, como foi a história dessa música, já que “parceria musical” é um assunto muito palpitante, sobretudo para quem gosta de cutucar o Rei do Baião e o Rei do Ritmo com vara curta. Falo de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. O editor Luiz Berto Filho sabe muito bem ao que estou me referindo!

E antes de falar sobre essa parceria, gostaria de dizer, como fã, que essa é a música de que mais gosto de todo o repertório de Luiz Gonzaga. Não é de Zé Dantas, Humberto Teixeira, Zé Marcolino, Onildo Almeida, João Silva, Rosil Cavalcanti, nenhum desses. A música é de Luiz Gonzaga (melodia) e Nelson Barbalho (letra). Já disse anteriormente nesta coluna que Luiz Gonzaga não gostava de fazer letra de música por não se sentir poeta.

Seria altamente positivo para a história da música popular brasileira, se todo compositor, que fez música em parceria, fizesse algo assim: após a morte do outro autor, suspeito de empurrar seu nome nos discos que gravou, quando ninguém sabia a história de uma determinada música, desse um depoimento tão importante e honesto como o que abaixo transcrevo, do escritor, historiador, poeta e compositor Nelson Barbalho, natural de Caruaru/PE e também já falecido.

O depoimento foi dado a Dominique Dreyfus, francesa, biógrafa de Luiz Gonzaga, e autora do livro “Vida do Viajante – A Saga de Luiz Gonzaga”, aquele que na contracapa contém estas palavras de Gilberto Gil:

“Dentre aqueles gêneros diretamente criados a partir da matriz folclórica, está o Baião e toda a sua família. E da família do baião Luiz Gonzaga foi o pai.

Seu nome se inscreve na galeria dos grandes inventores da música popular brasileira, como aquele que, graças a uma imaginativa e inteligente utilização de células rítmicas extraídas do pipocar dos fogos, de moléculas melódicas tiradas da cantoria lúdica ou religiosa do povo caatingueiro, e, sobretudo, da alquímica associação com o talento poético e musical de alguns nativos nordestinos emigrantes como ele, veio a inventar um gênero musical.

Eu, como discípulo e devoto apaixonado do grande mestre do Araripe, associo-me às eternas homenagens que a História continuadamente prestará ao nosso Rei do Baião”.

E vamos ao depoimento de Nelson Barbalho:

“A Morte do Vaqueiro foi composta na rua Vidal de Negreiros, nº 11, em Recife. Nós almoçamos juntos e depois fomos para a sala. Tinha um relogiozinho feito de coco, daqueles que balançam e Luiz ficou olhando o relógio e, daqui a pouco, falou: - “Eu sempre tive vontade de prestar uma homenagem a um primo meu, que era vaqueiro e foi assassinado lá no Sertão”. E ele contou a história de Raimundo Jacó que foi assassinado na caatinga, e nunca ninguém soube quem era o culpado. Eu disse que isso podia fazer um baião danado de bom, e na mesma hora ele pegou na sanfona e fez: “Lá lari lari lara” e eu fiz “Numa tarde bem tristonha”; e ele: “Larará lará lará” e eu: “Gado muge sem parar/ relembrando seu vaqueiro/ que não vem mais aboiar” e, no final da tarde, a música estava pronta”.

Ali estava um Luiz Gonzaga consciente juntamente com um poeta inspirado, fazendo uma música de protesto, denunciando um crime sem culpado e exigindo satisfação a uma Justiça que faz muito tempo não é justa com os menos favorecidos. E aquele “lengo-tengo” colocado por Gonzaga ainda hoje parece mexer com os sentimentos da gente como se aquela música fosse feita ontem.

Para finalizar, faço minhas as palavras de Thereza Oldam sobre Luiz Gonzaga, escritas em 20/02/1968 por ocasião das comemorações do centenário do povoado do Araripe: “O Araripe pede a Deus para seu filho a eternidade da arte que o persegue”. Boa audição!

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